sexta-feira, 17 de outubro de 2014

À FLOR DA PELE

Carla Furtado

Ao ter a doença passível de cura ou sob controle, muitos pacientes "em especial, as mulheres" passam a valorizar os cuidados estéticos, como verdadeiros rituais de preservação da própria identidade. Devido ao importante impacto sobre a autoestima e, consequentemente, sobre a própria condição de enfrentamento do câncer, tais cuidados ganharam maior atenção por parte dos serviços de oncologia.
Nesta entrevista, a dermatologista Adriana Gutstein responde às principais dúvidas de quem vivencia o tratamento quimioterápico e radioterápico.

Para quem se submete a um tratamento de câncer que vai provocar a queda de cabelo, qual é a orientação: cortá-lo curto ou raspar? Isso beneficiará o crescimento dos fios após o tratamento?
Alguns quimioterápicos atuam nas células do bulbo capilar e de outros pelos do corpo - como cílios, sobrancelhas e região genital -, causando alopecia (queda do cabelo) pouco tempo após o início da medicação. Antes de começar a quimioterapia, os oncologistas orientam a paciente a cortar o cabelo curto, para minimizar o impacto psicológico da queda rápida dos fios. Para quem deseja usar peruca fixa, é melhor raspar por causa da cola.  

O que é possível fazer para promover o crescimento saudável do cabelo? Há alimentos que colaboram para isso? 
Quando ocorre anemia ou deficiência proteica, ou até mesmo estresse psicológico durante o tratamento, o médico pode avaliar a necessidade de reposição de ferro e outros nutrientes importantes para o bom crescimento não só dos fios de cabelo, como também das unhas. Pode ser feita uma pesquisa de ácido fólico, zinco, ferro e algumas vitaminas no sangue. Folhas verdes, feijão e fígado podem ajudar, mas em geral é necessária suplementação oral. Após o tratamento, o dermatologista pode prescrever medicamentos que estimulam o crescimento dos fios do couro cabeludo, das sobrancelhas e dos cílios.  

Por que o primeiro cabelo que nasce após a perda por quimioterapia é diferente? Nesse caso vale à pena cortá-lo após alguns meses, para que novos fios nasçam com aparência similar ao que era antes?
Como os primeiros fios nascem finos, muitos tendem a encaracolar, a exemplo do que ocorreu com o ator Reynaldo Gianechini. Vale a pena cortá-lo para ir ganhando força. O importante é lembrar que ao término do tratamento, os fios voltam a crescer cerca de 1 centímetro ao mês. Alguns medicamentos utilizados na dermatologia podem ser usados após o tratamento quimioterápico para encurtar o tempo do recrescimento.  

Que cuidados devem ser tomados com o couro cabeludo durante o período sem os fios?
É fundamental proteger o couro cabeludo do sol com filtro solar (FPS 30) e bonés com proteção ultravioleta - vale lembrar que alguns quimioterápicos podem originar lesões de pele quando o paciente toma sol. Outra orientação é manter uma boa higiene não só do couro cabeludo, como também dos bonés, chapéus, lenços e perucas. Há risco de lesões dermatológicas pela oleosidade ou pela oclusão, além de infecções bacterianas e fúngicas. Podem ocorrer alergias de pele pela queda da imunidade ou pela presença de produtos em contato com o couro cabeludo. Durante o frio, é necessário hidratar a região para evitar lesões pelo ressecamento. Após o tratamento e com o crescimento dos fios, muitas pacientes se queixam de fios brancos e para disfarçá-los é indicada a tintura sem amônia. Também pode ser feita a micropigmentação transitória das sobrancelhas, até que os fios cresçam.

O que entra na lista de proibições?

Pacientes com tumor hormônio-positivo não devem usar estimulador de crescimento capilar a base de estrogênio - a menos que o oncologista libere. Em geral, devem-se evitar produtos com formol ou amônia e cílios postiços, pois a cola pode irritar a pele.

O que provoca o ressecamento da pele em pacientes que estão tratando um câncer? Há outros efeitos do tratamento que podem ser sentidos literalmente na pele?

Alguns quimioterápicos podem induzir a interrupção da menstruação, com consequente baixa do estrogênio, o que afeta pele (ressecamento), cabelos e unhas (enfraquecimento). Os anti-hormônios (tamoxifeno, anastrozol, exemestano e letrozol) têm ação antiestrogênica, promovendo ou acentuando os sintomas da menopausa. Isso também gera ressecamento da pele, o que pode causar coceira e feridas pela manipulação, propiciando infecção secundária e dando um aspecto mais envelhecido do rosto, com acentuação das rugas. No caso das pacientes que não usam quimioterápicos que causem a queda do cabelo, esses anti-hormônios também podem gerar discreta perda de fios. Outros medicamentos quimioterápicos e corticoides podem afetar a pele, causando acne. A radioterapia, além ressecar a área tratada, pode causar manchas e queimaduras. Preventivamente, orienta-se o uso de hidratantes.  

Há cuidados específicos que o paciente deve tomar durante o período de tratamento? Quais são?

Os banhos não devem ser muito quentes e os sabonetes devem ser suaves e com maior poder umectante, além do uso contínuo de filtro solar. A hidratação da face e do corpo tem hora certa para ser feita: após o banho e com a pele ligeiramente úmida. Para não ter alergias, vale suspender perfumes, cosméticos que não são hipoalergênicos e demaquilantes que não foram indicados por um médico.

Por que as unhas também mudam?

Isso ocorre devido à ação dos quimioterápicos sobre células e tecidos de crescimento rápido. As unhas podem perder o brilho, inflamar, quebrar com mais facilidade, escurecer, descolar e cair, além de ficarem com maior susceptibilidade a infecções fúngicas ou bacterianas. Alguns quimioterápicos podem desencadear o crescimento de granuloma piogênico, que é um tecido doloroso e vermelho ao redor da unha que demanda tratamento por um dermatologista. Deve-se evitar contato longo com água, lavando roupas e louças, pois pode propiciar alguns tipos de infecção.  

O que fazer para manter as unhas saudáveis?

Antes de começar a quimioterapia, é importante checar se todas as unhas estão saudáveis, pois se houver alguma micose pode ocorrer piora. Não se deve tirar a cutícula para evitar infecção, especialmente nas pacientes com esvaziamento axilar. Deve-se lixar as unhas ao invés de cortar. Se for pintar, prefira produtos hipoalergênicos, pois há uma alteração da imunidade durante a quimioterapia, com risco maior de alergias não só aos esmaltes como a cola das unhas postiças, que também deve ser evitada. Compre um esmalte novo e não compartilhe com ninguém. Ao removê-lo, é preciso evitar a acetona e hidratar as unhas com algum óleo (de amêndoas, por exemplo), deixando-as algum tempo sem pintar. Lenços removedores de esmalte são uma boa alternativa.

Durante o tratamento, o que não deve faltar no nécessaire?

Para os homens: hidratante e filtro solar. Para mulheres: um espelho pequeno para retocar o filtro solar com cor (ou um CC cream), um corretivo de olheiras para disfarçar o ar cansado, um bom hidratante facial e corporal, batom ou brilho com hidratante, lixa de unhas, escova para pentear a peruca, lápis de pintar olhos para reforçar a sobrancelha, sombra para dar uma levantada no visual, álcool gel que não resseque a pele para manter a higiene das mãos e minimizar as infecções.

Dra. Adriana Gutstein é membro titular da Sociedade Brasileira de Dermatologia, do Grupo Brasileiro Multicêntrico para Estudo do Melanoma e da American Academy of Dermatology.